quinta-feira, 26 de julho de 2018

Em Linguística, hipercorreção também chamada ultracorreçãoé um fenômeno muito presente no cotidiano dos falantes de uma língua, que, nas palavras da professora Stella Maris Bortoni-Ricardo, “decorre de uma hipótese errada que o falante realiza num esforço para ajustar-se à norma-padrão. Ao tentar ajustar-se à norma, acaba por cometer um erro”, (BORTONI-RICARDO, 2004 p.8, apud SANTOS). Há várias definições para o fenômeno, sendo algumas bem sofisticadas, mas, resumindo, é fazer correção onde não há erro. E isso acontece por diversos motivos, desde simples analogias ao que já foi aprendido, passando pela insegurança linguística, até o esforço de falar difícil.

Como exemplos de analogia às formas já aprendidas, os mais corriqueiros vêm de falantes que aprendem a dizer telha em vez de teia e velha em vez de véia e que passam a dizer também telha de aranha e injeção na velha.  

De acordo com o professor Cláudio Moreno, “não é qualquer pessoa que comete erros de hipercorreção; paradoxalmente, eles só atacam os falantes que têm certo grau de estudo, preocupados honestamente com o correto uso do idioma”, (MORENO, 2009). Há casos em que alguns falantes chegam a repetir um termo que a outra pessoa disse, de modo hipercorrigido, com a intenção de apenas “educar”, pois julga estar fazendo a coisa certa. 

A palavra privilégio, por exemplo, é uma das preferidas, ao ser repetida pelo outro interlocutor como previlégio, numa tentativa de ensinar “o certo” ao outro. Esse erro, talvez, acontece, por conta dos usos cotidianos do prefixo pré, como em pré-pago, pré-escola e de palavras como previdência, previsão, previsto, presidente, prepotência, preposição, etc. Nesse caso, o falante acaba trocando o i pelo e, tentando seguir um padrão. 

Essa é só uma forma bem simples de tentar entender parte desse processo. Entre pessoas comuns, a hipercorreção ocorre de modo corriqueiro, sem traumas. 

Já entre pessoas públicas e/ou famosas, o caso vai parar na mídia! Foi assim com o ministro, quando disse em público: haverão (sic) mudanças” no Enem. O caso foi manchete em tudo quanto é jornal e nas redes sociais. O alarde teve um lado positivo, pois muita gente ficou sabendo da regra com o verbo haver, que quando significa ocorrer, existir, etc., é impessoal e, portanto, deve permanecer na 3ª pessoa do singular. Mas quem está livre desses escorregos na língua? O falante aludido aqui não era apenas ministro: a pasta dele era da Educação, daí a exigência da multidão. Mas quando essa exigência se faz a alguém que não teve acesso ou precisou deixar a escola pra trabalhar, passa a configurar preconceito linguístico.  

Nos anos sombrios da ditadura, houve um outro tipo de correção. Essa, sim, era perversa e cheia de más intenções. Considerando nossa imensa área territorial e toda a diversidade linguística decorrente disso, é um crime censurar alguém pelo registro que utiliza para se comunicar, ou pelo estilo que deseja imprimir em suas obras. E se essa comunicação se faz pela poesia, ainda mais dor causa a censura. Assim, erra quem tenta corrigir a voz de um Patativa do Assaré, quando ele diz basta vê no mês de maio, um poema em cada gaio, um verso em cada fulô”. Que maldade corrigir um Adoniran Barbosa por conta do seu “Tiro ao Alvaro. Quem não cantou e ainda canta ‒ “De tanto levar frexada do teu olhar…”.  

Sim, censores, o teu olhar mata mais que atropelamento de artomorve, mais que bala de revorve”.



"A hipercorreção da ditadura contra 'Tiro ao Álvaro', de 1974. Documento oficial da DCDP (Divisão de Censura de Diversões Públicas), em que consta censura à letra da música "Tiro ao Álvaro", de Adoniran Barbosa, em 1974. O órgão da ditadura militar que atuou entre 1964 e 1985. Este e outros acontecimentos documentos podem ser vistos em www.memoriasreveladas.gov.br". Imagem e descrição extraídas de <http://www.advivo.com.br/blog/joao-paulo-caldeira/clone-de-fotos-charges-e-tirinhas-230>

REFERÊNCIAS: MORENO, Cláudio. Hipercorreção. Disponível em < http://sualingua.com.br/2009/05/11/hipercorrecao/ >. Acessado em 13/07/2018.  
SANTOS, Edson. O fenômeno da hipercorreção linguística: entenda um pouco mais. Disponível em <https://revistaidentidade.webnode.com.br/news/o%20fenomeno%20da%20hipercorre%C3%A7%C3%A3o%20linguistica%3A%20entenda%20um%20pouco%20mais/>. Acessado em 13/07/2018.  

Geraldo Seara  
Professor da Rede Pública Estadual de Educação.

Texto publicado originalmente em http://blog.pat.educacao.ba.gov.br/blog/2018/07/19/hipercorrecao/

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